Valentin Von Adamovich!
O escultor nas três reduções:São Luiz Gonzaga, Santo Angelo e São João Batista.
Os textos abaixo falam um pouca da vida deste que foi um dos grandes escultores que viveram nas Missões.
"Uma história de vida fascinante. Um artista marcado por suas escolhas,
pelo período histórico em que viveu, pela dor e pela força de sua arte.
Um artista que trocou a nobreza européia pela vida no interior do sul
brasileiro. Viveu, trabalhou e morreu em Santo Ângelo.
As obras de
Valentin Von Adamovich são o foco das lentes da máquinas fotográficas
dos turistas na catedral, no monumento ao Pe. Antônio Sepp em São João
Batista e em outras inúmeras obras espalhadas pela região e pelo estado.
No frontispício da Catedral Angelopolitana, os Sete Santos perduram ao
longo do tempo.
Foi durante a obra do fronte da Catedral que o fim de
Adamovich se desenhava. Atingido durante a queda de um dos blocos de
pedra, tendo um rim esmagado, conforme relato de sua esposa ao professor
Mário Simon*, é que se desenvolveu um tumor que levaria o artista a
morte em 1961.
Conforme relato do professor Mário Simon no Jornal A
Tribuna Regional de 17/06/1997, a própria igreja que ajudou a adornar
negou-lhe a encomendação de seu corpo, pois os padres não reconheciam
seu matrimônio com D. Clarina Lunkes, já que o mesmo havia se separado
de sua primeira esposa quando deixara a Áustria e viera fixar residência
aqui na região missioneira.
Sua história se não fosse real seria um
belíssimo romance. Deixo então que fale com essa propriedade literária o
escritor Manoelito de Ornellas, amigo de Adamovich e que lhe prestou
uma homenagem no Jornal Correio do Povo em 23/05/1961, coluna essa que
se encontra descrita na íntegra no post abaixo."
Por
Manoelito de Ornellas - Jornal O Correio do Povo em 23 de maio de 1961.
"A imprensa
falada ou escrita da Metrópole não chegou, na síntese de uma frase sequer, a
noticia da morte, em Santo Ângelo, do escultor tirolês Valentin Von Adamovich.
E se a imprensa noticiasse a morte do artista omitiria, por desconhecimento,
alguns pormenores da vida do homem que procurou no anonimato da humildade e da
pobreza, a paz de espírito que os outros homens lhe roubaram.
Adamovich conheceu, na juventude vivida na Europa, todos os favores da fortuna.
Seu pai governara o Tirol e sua família de cunho fidalgo, distinguia-se na
escala social de seu país.
Aluno dos melhores de sua cidade, Adamovich conquistou um dos primeiros lugares
na Escola de Belas Artes de Innesbruck, a cidade mais notável da região
alpestre que se incrusta entre a Itália e a Áustria.
Foi no leito de um hospital de Porto Alegre, quando esperava pela sentença
fatal de um diagnóstico que devia ignorar, que ele lembrou, não sua fortuna
passada nem suas conquistas de vocação, mas a terra onde vivera. Havia no
fulgor de seus olhos vivos e bons, uma saudade timidamente confessada. Saudade
dos vales emoldurados por gigantescas montanhas, onde os camponeses do Tirol
Austríaco apascentam seus rebanhos. E contou-nos da habilidade surpreendente
daqueles homens altos e robustos que escalam as montanhas pelas ravinas e aos
quais ninguém ousaria vencer, no alvo de um tiro de caça. A dança, a música e o
canto, completam-lhes a vida.
Adamovich dividia sua curiosidade, na infância e na juventude, entre o rumor
festivo das famosas escolas de Innesbruck e o movimento turístico das épocas de
estio, quando as vias férreas que atravessavam o maciço alpestre, de Munique a
Verona, pelo Brenner, ou Zurique a Linz, pelo Arlberg, carregavam os viajantes
do mundo para os rumos do sul.
Havia nas suas evocações, um fundo de incofessada melancolia. Era um menino
quase, quando fez a Segunda Guerra Mundial (creio que o autor quis dizer
Primeira Guerra Mundial). Estafeta, numa região alpestre, vencera taludes e
alcantis cobertos de neves, para chegar a tempo de salvar, com sua mensagem, um
contingente de exército. Colocaram-lhe ao peito a mais alta condecoração de
guerra de seu país, pela bravura do gesto. Escrevera uma página de De Amicis,
digna da antologia de “El Cuore”.
Deixou seu país, a família ilustre, sua bela cidade, toda voltada para arte,
seu povo alegre, amigo da música e das canções pela miragem do Brasil. É certo
que ninguém lhe contara, na forma de Scherazade, histórias miraculosas do nosso
país. O Brasil, e o Brasil do sul, surgiram-lhe à imaginação no retrato bruto e
selvagem das memórias de seu patrício, o Padre Antônio Sepp que, como ele,
nascera no seio daqueles vales guardados pelos Alpes e estudara na mesma cidade
que foi sua, recolhendo na alma jovem, as melodias de seu povo, com o qual
aprendera a cantar, para ilustrar depois o mais belo coral de Viena. Foi a
lembrança do Padre Sepp que trouxe Adamovich à Região Missioneira, no Vale do
Uruguai.
Na segunda grande guerra mundial, Adamovich já era pai de jovens brasileiros nascidos
nas Missões. Não queria outra pátria. Fizera sua a pátria de seus filhos. Mas
uma dessas violências, nascidas do primarismo da espécie humana, na hora
trágica das lutas, esqueceu a condição do artista, pai de pequenos brasileiros,
para exercer sobre o artista indefeso a vingança de um ultraje pelo qual não
respondia e que ele mesmo condenava: o afundamento dos barcos brasileiros nas
águas do Atlântico Sul... E queiram-lhe os livros de arte trazidos da
Universidade de Innesbruck... Foi então que fixou sua residência em Santo
Ângelo.
Adamovich entristeceu para sempre e a mágoa da afronta que sofreu, foi uma
sombra eterna sobre sua vida apagada e humilde.
Voltou-se à arte, à escultura em pedra, que amava. Um dia, realizou o monumento
ao Pe. Antonio Sepp, às portas da antiga redução de São João Batista. Talhou no
arenito vermelho, a figura do Taumaturgo das Missões, com um pouco de sua
tristeza na tristeza do Padre.
Realizava agora monumento eqüestre do Índio Sepé Tiaraju quando enfermou.
Deixou pronto o pedestal e duas figuras de índios. Não voltou mais ao
martelocom que trabalhava o granito.
Veio a Porto Alegre onde encontrou amparo generoso de homens bons. Voltou a
Santo Ângelo para morrer. A ciência já não podia vencer o mal que lhe tomava o
organismo, devorando-o. Tombou. Caiu, sem terminar a obra mais sonhada de sua
vida. E caiu humilde e pobremente, da mesma forma porque tombou o seu irmão dos
Alpes, aquele benemérito Padre Antônio Sepp, que tudo renunciara do grande
mundo, pelo sonho da catequese na América. O Santo e o Artista reencontraram
sua pátria nas alturas, de onde haviam trazido a melancolia dos
exilados..."